Assédio judicial é a utilização do poder judiciário como forma de perseguição e intimação, especialmente contra defensores de direitos humanos.
O ajuizamento de ações sucessivas e sem fundamento para atingir objetivos maliciosos é “assédio processual”. Foi como a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu a prática de abusar dos direitos fundamentais de acesso à Justiça e ampla defesa “por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo”.
A Justiça brasileira tem definido o assédio processual como um abuso do acesso à Justiça, pelo ajuizamento de diversas ações sobre um mesmo fato ou contra uma mesma pessoa, com o intuito de prejudicá-la e, nesse caso, caberia a condenação por litigância de má-fé.
Tem-se observado, também como afronta ao direito fundamental da liberdade de expressão e de imprensa, que essas práticas têm sido aplicadas contra jornalistas.
Como exemplo de assédio processual, conforme denunciado pela Abraji, podemos citar o uso cada vez maior dos Juizados Especiais Cíveis em questões que se referem à liberdade de expressão.
A estratégia representa desvantagem para os réus, que são geralmente jornalistas acionados como pessoas físicas, deixando de fora os veículos nos quais a reportagem foi publicada.
Essas ações, distribuídas de maneira massiva em diversas comarcas espalhadas pelo país, inviabilizam e impedem o exercício do direito de defesa daquele que está sendo recorrido.
Vale sublinhar um exemplo: o jornalista Lúcio Flávio Pinto já foi alvo de mais de 30 processos com o objetivo de censurar seu trabalho ao longo dos anos. O caso mostra como a utilização do Judiciário pode gerar perseguição e intimidação, além de desgaste e sobrecarga para o jornalista.
Em função dessas diversas ações sofridas, até hoje Lúcio Flávio Pinto se defende de dois processos remanescentes ajuizados pela mesma família de empresários do Pará, em 2009. Como afirma sua defesa, trata-se de perseguição manipulada, em que se invertem as partes no processo judicial: a vítima é colocada como réu, e o agressor se coloca como autor.
Além dos diversos processos de retirada de conteúdo e indenização por danos morais movidos contra jornalistas e meios de comunicação, também tem se observado a utilização da seara criminal como via de processo. Dessa forma, quem processa jornalista se utiliza de queixas-crime por crimes de ofensa à honra.
Segundo levantamento da Abraji, os políticos Abraham Weintraub, Bia Kicis, Carla Zambelli e Joice Hasselmann fizeram uso de processos criminais para a retirada de conteúdos e intimidação de jornalistas, como forma de proteger sua honra.
Apesar de a proteção da honra estar consagrada como um direito humano, no artigo 11 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), a criminalização da injúria, calúnia e difamação oferece risco à liberdade de expressão, principalmente quando se trata de pessoas públicas, políticos e temas de interesse público.
Desse modo, para a proteção da liberdade de pensamento e expressão, consagrada no art. 13 da CADH, é incompatível o tratamento penal dessa questão, sendo ela uma restrição desproporcional e indireta que coloca em risco o interesse público e a liberdade de expressão em sua esfera individual e coletiva.
A decisão, do dia 17 de outubro, foi de condenar uma família a pagar indenização de R$ 100 mil a cada um dos autores da ação que resultou no processo, por assédio processual. Também foram arbitrados honorários de sucumbência de 10% sobre o valor total da causa. Do registro do STJ, constam dez autores. O valor total ainda não foi calculado.
Ficou definida a seguinte tese: “O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual”.
A tese foi desenvolvida no caso pela ministra Nancy Andrighi, que, em voto-vista, divergiu do relator, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Nancy foi acompanhada pelos ministros Marco Aurélio Bellizze, Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro.
Sanseverino havia votado para negar o recurso, por entender que não havia nada a reformar na decisão da origem e porque o abuso processual se apura no próprio processo, conforme manda o parágrafo 3º do artigo 81 do Código de Processo Civil.
De acordo com Sanseverino, portanto, o abuso se daria dentro de uma demanda específica. Por exemplo, por meio do ajuizamento de diversos embargos de declaração ou do peticionamento sucessivo de documentos extensos demais para ser lidos em tempo hábil.
Mas, para a ministra Nancy, o direito processual precisa evoluir e o abuso do direito de ação não pode ficar restrito ao que está escrito na lei. “Embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais”, anotou a ministra, na ementa do acórdão.
Segundo ela, a tradição brasileira é de considerar abuso processual o que está definido como litigância de má-fé nos artigos 79, 80 e 81 do CPC. Os dispositivos dizem quais são as obrigações das partes no processo e quais são as atitudes que podem levar o juiz a condenar alguém por litigância de má-fé.
No entanto, argumenta a ministra, nem sempre as coisas são claras assim. É preciso definir, além dos abusos no decorrer do processo, o assédio processual.
“O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde”, afirma. “É por isso que é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito.”
A tese da ministra foi uma solução para o caso concreto. O recurso chegou ao STJ a partir de uma disputa pela propriedade de 1,5 mil hectares de terra na Bahia. A família que ajuizou a primeira ação, em 1988, se baseou, segundo a ministra, numa procuração já reconhecidamente falsa datada de 1970. A falsidade do documento foi declarada em 1983, quando a família que é realmente dona da terra buscou reaver o imóvel pela via administrativa.
A partir de 88, entretanto, conta Nancy, a família que tentava se assumir dona da terra ajuizou diversas ações, mesmo sabendo não ter razão. E entre 1995 e 2011, ocupou o terreno e exerceu atividades agrícolas lá, desobedecendo sentença transitada em julgado. E mesmo em 2011, quando veio a ordem definitiva de que a família se retirasse, foram ajuizadas três ações diferentes com o mesmo teor, em foros diferentes.
“O abuso do direito fundamental de acesso à justiça em que incorreram os recorridos não se materializou em cada um dos atos processuais individualmente considerados, mas, ao revés, concretizou-se em uma série de atos concertados, em sucessivas pretensões desprovidas de fundamentação e em quase uma dezena de demandas frívolas e temerárias”, resume Nancy, em seu voto.
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